terça-feira, 31 de março de 2009

O Direito não é Valorativamente Neutro

"Afinal, o Direito é uma ciência do mundo da cultura. Um dos defeitos da nossa época e da tão apregoada crise da justiça radica precisamente na falta de referências gerais que pautam e orientam a actividade do jurista. Sem elas, o jurista perde-se, e degrada a sua missão: torna-se alvo fácil de interesses que, em simultâneo, "tecnocratizam" a sua actividade e a instrumentalizam."
Manuel Carneiro da Frada, Relativismo, Valores, Direito in ROA, Ano 68, p. 652

segunda-feira, 2 de março de 2009

O fim do Direito



Muito antes de entrar em guerra, o terceiro Reich desenvolveu um plano para o assassínio dos doentes incuráveis chamado "Aktion T4". Calcula-se que, quando finalmente foi cancelado, várias dezenas de milhares de alemães com doenças terminais tinham sido entregues às câmaras de gás.

O programa de eutanásia de Hitler, que se costuma qualificar erroneamente como "prova piloto" para os campos de extermínio em massa, estava na realidade ditado por uma atitude de índole "compassiva": os hierarcas nazis consideravam que uma vida estragada pelo sofrimento não valia a pena ser vivida. Os promotores de "Aktion T4" desenvolveram, sem dúvida, o seu trabalho em segredo, sabendo que o Direito os impedia de dispor indiscriminadamente das vidas alheias; quando as ditas práticas foram divulgadas, tiveram que ser interrompidas, pois mostraram-se muito "desagradáveis" para a opinião pública.

Visto à luz da nossa época, o programa de eutanásia do Terceiro Reich talvez continue a ser "desagradável", não tento pela sua maldade intrínseca como pelos números astronómicos e os seus métodos expeditos.

Mas no que é verdadeiramente importante - o atropelamento do Direito por um conjunto de considerações presumivelmente "piedosas" - a nossa época chegou mais longe do que o Terceiro Reich: o que os hierarcas nazis realizavam em segredo, para manter as aparências, a nossa época realiza-o à luz do dia, orgulhosa do seu "altruísmo".

O caso de Terri Schiavo mostra-nos a enorme perversão do Direito que postula a nossa época. Nos últimos anos o Direito deixou de se fundar sobre imanentes para se apoiar numa quantidade de conveniências sociais e ideológicas ditadas pelo oportunismo. Assim, por exemplo, se se considera que destruir a natureza de uma instituição jurídica pode traduzir-se em bons resultados eleitorais, passa-se à sua destruição sem voltar a pensar no assunto.

Este entendimento relativista (e, no fundo, completamente totalitário) do Direito não afecta apenas as suas instituições, mas também os seus princípios directores: assim, o direito à igualdade pode ser interpretado ad absordum para forçar uma nova configuração do casamento, mas ao mesmo tempo pode ser alterado mediante a introdução de uma "descriminação positiva" de um ou outro sexo.

Quanto o Direito é submetido à conveniência pura, surge uma aberração jurídica; claro que, para justificar tais aberrações, os destrutores do Direito invocam a sacrossanta correcção política, ou então um sucedâneo hipócrita de compaixão. Deste modo tapam a boca aos discordantes que, se ainda se atreverem a fazer algum comentário, são automaticamente expulsos para a penumbra exterior.

Achava-se que o pressuposto "direito à eutanásia" se baseava na vontade do doente. Mas caminhamos para uma eutanásia "por decreto", onde a vontade do doente é ultrapassada pelo seu representante legal ou por um juiz que assume um poder decisivo sobre a vida e a morte.

Naturalmente, uma vez destruída a verdadeira noção de Direito, pode-se afirmar que dar de comer e beber a um doente é "manter artificialmente" a sua vida (o que legitimaria matar tetraplégicos, doentes de alzheimer, ou crianças recém-nascidas com malformações), ou aceitar como prova irrefutável a palavra de um familiar que se assume (sem qualquer documento ou testemunha que o acreditem) pretenso depositário da vontade da vítima.

Para matar por decreto, a técnica nazi parece-me menos demoradamente cruel do que a privação de alimentos; mas os hipócritas que postulam o fim do Direito não gostam, segundo parece, de métodos expeditos.

Juan Manuel de Prada, in Jornal ABC de 28 de Março de 2005 - Tradução, para a Aldeia, de Maria Francisca Chaves RamosO Texto original pode ser lido aqui.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Professor Doutor Manuel Gomes da Silva



Manuel Duarte Gomes da Silva, nasce em Lisboa a 19 de Dezembro de 1915, filho de Aniceto Augusto Gomes da Silva e de D. Cordália Duarte Gomes da Silva e morre em Maio de 1994. Viveu até à morte com as suas três irmãs, tal como ele, solteiras.

Dificuldades físicas de que padecia, (ficou invisual relativamente novo), e o facto de não ter um secretário permanente dificultaram-lhe e limitaram-lhe a sua produção literária/científica. No entanto nunca perdeu a alegria de viver, o gosto pela música, especialmente pelo canto, nem a vontade de conviver, o que fazia com muito agrado.

Contou no entanto com a colaboração de amigos como a Dra. Rita Amaral Cabral e Álvaro Gonçalves a quem ditava, bem como a uma das suas irmãs, a mais nova, Maria Noémia que foi ao longo da vida o seu braço direito. Um dos seus alunos Miguel Quina, chegou a oferecer-lhe um gravador, que utilizava amiúde e com prazer. Na Universidade Lusíada, nos seus últimos anos de vida, contou com a colaboração do Dr. Conceição Mendes e da Dra. Amélia Afonso que o ajudava e o acompanhava no seu dia a dia.

Aluno brilhante, Manuel Gomes da Silva cedo evidenciou as suas qualidades no Colégio “O Académico”, nome que de algum modo já pronunciava a sua futura vocação. Foi neste colégio, onde cumpriu os seus estudos secundários, em que no ano lectivo de 1932/33, no decurso de uma sessão solene em 23 de Dezembro, recebeu o prémio para o melhor aluno desse ano.

Entrou na Faculdade de Direito de Lisboa em 1935, aos 20 anos. Licenciou-se em Ciências Jurídicas em 1940, com a classificação final de 19 valores.

Como quarto e quinto anista ganhou em 1938-39 e 1939-40 o Prémio Nacional Doutor Guilherme Alves Moreira, cujos trabalhos foram posteriormente publicados.

Militou na Acção Católica onde ocupou os cargos de Presidente da Direcção Geral da Juventude Católica e da Direcção Nacional da Juventude Católica, a que se seguiu a Liga Universitária Católica.

Em 1944 no II Congresso da União Nacional no qual participou apresenta a tese intitulada “Aspectos Fundamentais da Orgânica da Previdência em Portugal”.

Dos seus amigos da Faculdade de Direito destacam-se os Professores Cavaleiro Ferreira e Soares Martinez, bem como o Professor Raúl Ventura. Criou, também, laços de amizade com alguns dos seus alunos ou professores mais novos, tais como os Professores João de Castro Mendes, Fernando Pessoa Jorge, Oliveira Ascenção, Cortes Rosa, Ruy e Martim de Albuquerque, Jorge Miranda, Menezes Cordeiro, Fausto Quadros e por último a especial amiga Rita Amaral Cabral.

Fora da Faculdade, o seu núcleo de amigos, era muito restrito mas sólido e nele destacavam-se o Bispo Emérito de Lisboa D. António Reis Rodrigues, seu antigo colega de Faculdade, os Professores Doutores Guilherme Braga da Cruz e António Gonçalves Rodrigues, o Embaixador Henrique Martins de Carvalho, o Eng.º Francisco Brás de Oliveira e ainda o Dr. Braga dos Reis, seu médico e grande amigo.

Das suas obras ficarão para a posteridade o "O dever de prestar e o dever de indemnizar" (1944) – Dissertação de concurso para Professor extraordinário na Faculdade de Direito de Lisboa (COE); e sem dúvida alguma o "Esboço de uma concepção personalista do direito: reflexões em torno do cadáver humano para fins terapêuticos e científicos" (1965)6.

Manuel Duarte Gomes da Silva, morreu a 11 de Maio de 1994 na Clínica de São Lucas, em Lisboa.

Na sua biblioteca pessoal, além dos livros de Direito, que constituíam a maioria do acervo, tinha também um pequeno núcleo de obras de literatura (que herdara de seu avô, o poeta Manuel Duarte de Almeida), de que doou parte ao amigo Professor Ruy de Albuquerque.
Quanto à restante biblioteca, a que deixou à Universidade Lusíada, era, como já se disse, composta por livros de Direito, muitos deles oferecidos pelos autores ou editores. Quase todos, autografados pelos próprios e da mais simples à mais elaborada, mostram uma verdadeira admiração pelo Homem, Colega ou Professor.

excerto retirado e alterado do sitio da Universidde Lusíada